A busca por uma qualidade de vida que permita tanto o sucesso na medicina quanto o bem-estar pessoal é um desafio constante, e médicos que não conseguem manter esse equilíbrio estão mais suscetíveis a problemas graves, como o Burnout, estresse crônico, exaustão física e emocional, além do impacto negativo em suas relações pessoais. Mas será que é possível conciliar a carreira e a vida pessoal de forma harmônica, evitando, assim, possíveis esgotamentos? Nesta edição, conversamos com psicólogo clínico Edson Carlos Cunha dos Santos, fundador do NAPS M6 (Núcleo de atenção Psicossocial da Polícia Militar do ABCDMRR), que compartilha suas experiências e oferece conselhos valiosos para médicos que desejam manter a saúde física e mental sem abrir mão de suas responsabilidades profissionais. Equilibrar a carreira médica, com suas exigências e longas jornadas, com uma vida pessoal e o bem-estar parece uma missão quase impossível para muitos profissionais da área médica.
Na sua visão, quais são os principais impactos psicológicos que a profissão médica pode ter sobre a vida pessoal de um profissional?
Na busca pelo cuidado ao próximo, o profissional poderá trazer para si uma responsabilidade indireta sobre o padecente, sem perceber que isso poderá se “esfriar” nas relações pessoais, trazendo, assim, o afastamento social. Também a profissão de um médico pode ser impactada por estresse e alta pressão, desgaste emocional, dificuldade em separar trabalho e vida pessoal, autocobrança excessiva e problemas de saúde física e mental, devido à natureza exigente da profissão.
Médicos frequentemente lidam com decisões de vida ou morte e pressão constante. Ou seja, situações como essa e o ambiente de trabalho podem influenciar a saúde mental dos médicos?
Sim, a síndrome de Burnout acontece muito entre os profissionais da saúde. Médicos enfrentam alta pressão, decisões de vida ou morte e longas jornadas de trabalho, o que pode impactar sua saúde mental, levando ao estresse, ansiedade, depressão e Burnout. O ambiente de trabalho e o estigma em torno de buscar ajuda agravam a situação, destacando a necessidade de apoio emocional para esses profissionais. Portanto, o ambiente de trabalho e as exigências da profissão exercem um impacto significativo sobre a saúde mental dos médicos, reforçando a necessidade de iniciativas voltadas ao bem-estar e apoio emocional desses profissionais.
O apoio e a colaboração entre colegas ajudam a aliviar a pressão ou, muitas vezes, acabam sendo mais uma fonte de estresse?
É importante ter uma rede de apoio voltada aos profissionais, sem contar que o processo de “descompressão” é de suma importância para a saúde mental. Portanto, na profissão médica, o apoio e a colaboração entre colegas desempenham um papel essencial no ambiente de trabalho. Em muitos casos, essa cooperação ajuda a aliviar a pressão, criando um espaço de troca de conhecimento, apoio emocional e ajuda mútua. Ter um ambiente onde os médicos podem compartilhar casos difíceis, pedir opinião e contar com a equipe pode reduzir o estresse e promover um melhor atendimento ao paciente.
Quais são os sinais psicológicos que indicam que um médico pode estar perto de um esgotamento emocional ou Burnout? Como agir ao identificar esses sinais?
O “esfriar-se” perante as suas atividades profissionais, quando o médico começa a sentir que o “morrer ou o nascer” dos pacientes sob seus cuidados perde importância, são os principais sinais de um adoecimento psíquico. Nesse momento, é de suma importância a intervenção psicológica e, se necessário, a medicamentosa. O esgotamento emocional ou Burnout em médicos é um fenômeno preocupante que pode afetar tanto a saúde mental quanto a qualidade do atendimento ao paciente. Alguns dos sinais são:
1. Fadiga emocional: Esgotamento contínuo e falta de energia;
2. Ceticismo e despersonalização: Indiferença em relação aos pacientes e desvalorização da profissão;
3. Diminuição da satisfação profissional: Perda de interesse e prazer nas atividades;
4. Aumento da irritabilidade: Reações desproporcionais a situações estressantes;
5. Ansiedade e depressão: Sentimentos frequentes de tristeza ou preocupação excessiva;
6. Dificuldade de concentração: Problemas em manter o foco nas tarefas;
7. Distúrbios do sono: Insônia ou padrões de sono irregulares.
Ao identificar esses sinais é crucial o tratamento e a prevenção. A autoconsciência é importante para qualquer profissional, mas na medicina parece ser fundamental.
Como os médicos podem desenvolver maior autoconsciência para entender quando precisam fazer ajustes em sua vida pessoal?
O autoconhecimento e respeitar as suas limitações são muito saudáveis para o seu bem-estar psicológico através do processo psicoterápico. Algumas estratégias ajudam a desenvolver a autoconsciência:
1. Reflexão: Dedicar tempo para refletir sobre experiências e emoções;
2. Meditação: Praticar técnicas que aumentam a consciência sobre o momento presente e as emoções;
3. Feedback e Autoavaliação: Buscar opiniões de colegas e realizar autoavaliações para identificar estresse e satisfação;
4. Terapia: Trabalhar com profissionais para explorar emoções e desenvolver estratégias de enfrentamento;
5. Estabelecimento de Limites: Aprender a dizer não e delegar tarefas para evitar sobrecarga;
6. Discussões em Grupo: Participar de grupos de apoio para compartilhar experiências e aprender com os outros;
7. Atividades de Autocuidado: Engajar-se em práticas que promovam bem-estar físico e emocional.
Essas práticas ajudam a reconhecer sinais de estresse, permitindo ajustes necessários para um melhor equilíbrio pessoal e profissional.
Como a vida familiar e os relacionamentos pessoais podem ser afetados pela rotina médica?
A distância dos familiares, o local de trabalho distante e a instabilidade de horários podem prejudicar as relações interpessoais. Essa rotina médica pode impactar significativamente a vida familiar e os relacionamentos pessoais de várias maneiras. As longas horas de trabalho e os plantões resultam em menos tempo para a família, prejudicando a qualidade das relações. O estresse e a fadiga acumulados podem levar à irritabilidade e à dificuldade em se conectar emocionalmente com os entes queridos. A dedicação ao trabalho pode fazer com que os médicos coloquem as necessidades profissionais acima das necessidades pessoais, gerando conflitos familiares. Além disso, a dificuldade em compartilhar experiências do dia a dia pode resultar em um sentimento de isolamento, prejudicando o suporte emocional nos relacionamentos. O estresse da profissão pode afetar o humor, levando a tensões e a desentendimentos em casa. Esses fatores podem comprometer o bem-estar familiar.
É possível criar uma barreira saudável entre a vida profissional e pessoal, considerando que a medicina é uma carreira emocionalmente envolvente? Como se faz isso na prática?
Sim, o teórico Jacó Levi Moreno, psiquiatra e criador do psicodrama, propôs a ideia de que as pessoas desempenham vários “papéis” em suas interações sociais. Esses papéis são representações das funções que desempenhamos nas diferentes situações e relacionamentos que temos. Desse modo, entender e separar os vários “papeis” que são desempenhados nas diferentes atividades sociais pode ajudar a pessoa, nesse caso, o médico, a reconhecer seus diferentes comportamentos e reações sobre as atividades sociais, proporcionando qualidade de vida sobre todos os aspectos psíquicos. Para isso, é importante estabelecer horários claros de trabalho e descanso, evitar levar trabalho para casa e praticar meditação para facilitar a desconexão. Engajar-se em atividades de bem-estar, como exercícios e hobbies, também ajuda a manter o equilíbrio. Além disso, uma comunicação aberta com a família sobre as demandas da profissão é fundamental para garantir apoio emocional.
Na sua opinião, o quanto o apoio psicológico e a terapia são importantes para médicos? Esse tipo de suporte deve ser algo contínuo ou apenas em momentos de crise?
Em se tratando de saúde mental, as intervenções psicoterápicas são benéficas e devem ser contínuas, isso para qualquer pessoa, independentemente de ser da área da saúde ou não. No caso dos médicos, devido ao alto estresse da profissão, o apoio psicológico e a terapia são essenciais. Esse suporte deve ser contínuo, pois ajuda no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e na gestão do estresse. A terapia regular permite que os médicos abordem problemas emocionais antes que se tornem críticos, promovendo um bem-estar geral e melhorando a qualidade do atendimento aos pacientes. A prevenção e o autocuidado são fundamentais para uma carreira saudável na medicina.
Qual o papel do psicólogo no suporte a médicos que enfrentam dificuldades?
O profissional de saúde mental tem que estar sempre se aperfeiçoando para que o suporte psicológico aos médicos seja saudável, compreendendo o contexto e cenário de luto, com conhecimentos sobre os psicotrópicos, pois o índice de automedicação entre a classe médica é muito alta. O papel do psicólogo no suporte a médicos é crucial. Os psicólogos oferecem um espaço seguro para que os médicos expressem emoções, discutam experiências e identifiquem fontes de estresse. Eles ajudam no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e estratégias de autocuidado, além de fornecer orientações para gerenciar o Burnout e a pressão profissional. O psicólogo também pode facilitar a autoconsciência, permitindo que os médicos reconheçam sinais de esgotamento e busquem o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Essa assistência contribui para a saúde mental dos médicos e, consequentemente, para a qualidade do atendimento ao paciente.
Edson Carlos Cunha dos Santos
Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário de Santo André.
Fundador do NAPS M6 (Núcleo de atenção Psicossocial da Polícia Militar do ABCDMRR).
Atuou como Psicólogo da Polícia Militar do Estado de São Paulo no NAPS M6 (Mauá) durante sete anos, realizando mais de 5000 atendimentos entre policiais e seus familiares.
Atuante como Psicólogo Clínico e responsável técnico da Clínica REY – Gestão em Psicologia.
Cursos Extracurriculares:Perícia Psicológica Forense, Autópsia Psicológica, Desafios Clínicos Forenses nos Transtornos da Personalidade e no Transtorno Explosivo Intermitente e Cena do Crime com o Psicólogo Forense; Especialização no LEM (laboratório de especialidade da Morte) – USP; Pós-graduado em Psicologia Jurídica; Pós-graduado em psicologia do trânsito
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